12 de out. de 2011

Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo

Trecho de Orixás de Pierre Verger
tradução: Maria Aparecida de Nóbrega




ORIXÁS (ÒRÌSÀ)

Os orixás na África

O termo “Órísà” nos parecera outrora relativamente simples, da maneira como era definido nas obras

de alguns autores que se copiaram uns aos outros sem grande discernimento, na segunda metade do

século passado e nas primeiras décadas deste. Porém, estudando o assunto com mais profundidade,

constatamos que sua natureza é mais complexa. Léo Frabenius é o primeiro a declarar, em 1910, que

a religião dos iorubás tal como se apresenta atualmente só gradativamente tornou-se homogênea. Sua

uniformidade é o resultado de adaptações e amálgamas progressivos de crenças vindas de várias

direções. Atualmente, setenta anos depois, ainda não há, em todos os pontos do território chamado

Iorubá, um panteão dos orixás bem hierarquizado, único e idêntico. As variações locais demonstram

que certos orixás, que ocupam uma posição dominante em alguns lugares, estão totalmente ausentes

em outros. O culto de Xangô, que ocupa o primeiro lugar em Oyó, é oficialmente inexistente em Ifé,

on de um deus local, Oramfé, está em seu lugar com o poder do travão. Oxum, cujo culto é muito

marcante na região de Ijexá, é totalmente ausente na região de Egbá. Iemanjá, que é soberana na

região de Egbá, não é sequer conhecida da região de Ijexá. A posição de todos estes orixás é

profundamente dependente da história da cidade onde figuram como protetores Xangô era, em vida, o

terceiro rei de Oyó. Oxum, em Oxogbô, fez um pacto com Larô, o fundador da dinastia dos reis

locais, e em conseqüência a água nessa região é sempre abundante. Odudua, fundador da cidade de

Ifé, cujos filhos tornaram-se reis das outras cidades iorubás, conservou um caráter mais histórico e até

mesmo mais político que divino. Veremos mais adiante que as pessoas encarregadas de evocar

Odudua não entram em transe, o que destaca seu caráter temporal.

O lugar ocupado na organização social pelo orixá pode ser muito diferente se trata de uma cidade

onde se ergue um palácio real, àáfin, ocupado por um rei, aládé, tendo direito a usar uma coroa, adé,

com franjas de pérolas, ocultando-lhe a face ou onde existe um palácio, ilê lójá, a casa do senhor do

mercado de uma cidade cujo chefe é um bal `que sé tem direito a uma coroa mais modesta chamada

àkòró. Nesses dois casos, o orixá contribui para reforçar o poder do rei ou do chefe. Esse orixá está

praticamente à sua disposição para garantir e defender a estabilidade e a continuidade da dinastia e a

proteção de seus súditos. Mas, nas aldeias independentes, onde o poder civil permaneceu fraco, na

ausência do Estado (autoritário), o impacto das religiões tradicionais é muito forte na sociedade e são

os chefes ‘fetichista’ que garantem a coesão social.

Alguns orixás constituem o objeto de um culto que abrange quase todo o conjunto dos territórios

iorubás, como, por exemplo, Òrì àálá, também chamado bàtálá, divindade da criação, estende-se até

o vizinho território do Daomé, onde Òrìsàálá torna-se Lisa, e cuja mulher Yemowo tornou-se Mawu,

o “ deus supremo” entre os fun, ou então Ògún, deus dos ferreiros e de todos aqueles que trabalham

com o ferro, cuja importância das funções ultrapassa o quadro familiar de origem.

Algumas divindades reivindicam as mesmas atribuições em lugares diferentes Sàngó, em oyó;

Oramfè, em Ifé; Aira, em savé. São todos senhores do travão. Ògún tem competidores, guerreiros e

caçadores em diversos lugares, tais como: Ija em torno de Oyó, Òsóòsi em Kêto, Òré em Ifé, assim

como Lógunéde, Ibùalámo e Erinlè na região de Ijexá. Osanyìn entre os oyó desempenha o mesmo

papel de curandeiro que Elésije em Ifé. Aje Saluga em Ifé e Òsúmáré mais a oeste são divindades da

riqueza.

O caso de Nana Buruku ou Brukung merece ser tratado à parte. Esta divindade representa a deusa

suprema nas regiões a oeste dos países iorubás, e mesmo além, onde a influência de Ifé é menor,

embora, paradoxalmente, uma parte dessas populações seja chamada Aná ou Ifè, e isso em lugares

onde o culto de Òbàtálá ou Òrìsàálá é totalmente desconhecido.

Diante dessa extrema diversidade e dessas inúmeras variações de coexistência entre os orixás, fica-se

descrente diante de certas concepções demasiado estruturadas.

A religião dos orixás está ligada à noção de família. A família numerosa, originária de um mesmo

antepassado, que engloba os vivos e os mortos. O orixá seria, em princípio, um ancestral divizado,

que, em vida, estabelecera vínculos que lhe garantiam um controle sobre certas forças da natureza,

como o travão, o vento, as águas dioces ou salgadas, ou, então, assegurando-lhe a possibilidade de

exercer certas atividades como a caça, o trabalho com metais ou, ainda, adquirindo o conhecimento

das propriedades das plantas e de sua utilização o poder, àse, o ancestral-orixá teria, após a sua

morte, a faculdade de encarnar-se momentaneamente em um de seus descendentes durante um

fenômeno de possessão por ele provocada.

A passagem da vida terrestre à condição de orixá desses seres excepcionais, possuidores de um àse

poderoso, produz-se em geral em um momento de paixão, cujas lendas conservaram a lembrança.

Veremos, numa lenda, como Sàngó tornou-se o objeto dessa mutação quando um dia, exasperado por

ter destruído seu palácio e todos os seus, subiu a uma colina em Igbeti, perto da antiga Oyó, e quis

experimentar a eficácia de um preparado destinado a provocar o raio. Em Outra lenda, Sàngó tornou-se

orixá, ou ebora, em um momento de contrariedade por se sentir abandonado, quando deixou Oyó

para retornar à região de Tapa. Somente sua primeira mulher, Oiá, o acompanha na fuga e, por sua

vez, ela entrou para debaixo da terra depois do desaparecimento de Sàngó. Sua duas outras mulheres,

Òsun e Òbà, tornaram-se rios, que têm seus nomes, quando fugiram aterrorizadas pela fulgurante

cólera do marido comum. Ògún ter-se-ia tornado orixá quando compreendeu, lamentando

amargamente, que acabava de massacrar, em um momento de cólera irrefletida, os habitantes da

cidade de Ire, fundada por ele e que não mais a reconhecera quando ali voltou, após longa ausência.

Esses antepassados divinizados não morreriam de morte natural, morte que em iorubá vem a ser o

abandono do corpo, ara, pelo sopro, èmí. Possuidores de um àse, poder em estado de energia pura.Era

preciso,para que o culto pudesse ser criado, que, assim como os Mogba de Sàngó de que trataremos

mais adiante, um ou vários membros da família tivesse sido capaz de estabelecer o Odù Òrìsà,

definido por O.Epega como sendo “ um vaso enterrado no chão, até mais ou menos três quartos de sua

altura, pelos seus adeptos” . Ele serve de recipiente ao objeto suporte da força, o àse do Òrìsà. Este

objeto suporte é, segundo Cossard-Binon, “ a base material palpável, estabelecida pelo arixá, que

receberá a oferenda e será impregnada pelo sangue do animal sacrificado. Devidamente sacrificado,

será o traço de união entre os homens e a divindade” . A natureza desses objetos está ligada ao caráter

do deus, quer por ser dele uma emanação como a pedra do raio, èdùn ara, de Sàngó, ou um seixo do

fundo de um riacho, ota, de Òsun, Oya ou Yemojá, quer seja um símbolo, como as ferramentas de

Ògún ou o arco e a flecha de Òsóòsì.

O orixá é uma força pura, àse imaterial que só se torna perceptível aos seres humanos incorporando-se

em um deles. Esse ser escolhido pelo orixá, um de seus descendentes, é chamado seu elégùn, aquele

que tem o, privilégio de ser “montado” , gùn, por ele. Torna-se o veículo que permite ao orixá voltar a

terra para saudar e receber as provas de respeito de seus descendentes que o evocaram.

Os elégùn muitas vezes são chamados iyawóòrìsà (iaô), mulher do orixá. Este termo tanto se aplica

aos homens quanto às mulheres e não evoca uma idéia de união ou de posse carnal, mas a de sujeição

e de dependência, como antigamente as mulheres o eram aos homens.

Voltaremos, mais adiante, ao problema da iniciação desses elégùn cujo papel è fundamental nas

cerimônias de adoração ao ancestral divinizado, que, incorporando-se ao elégùn, reencontra, por

alguns instantes, sua antiga personalidade espiritual e material. Será novamente a personagem de

outra com suas qualidades e seus defeitos, seus gostos, sua tendência, seu caráter agradável ou

agressivo.

Voltando assim, momentaneamente, a terra, entre seus descentes, durante as cerimônias de evocação,

os orixás dançam diante deles e com eles, recebem seus cumprimentos, “ ouvem as suas queixas,

aconselham, concedem graças, resolvem as suas desavenças e dão remédios para as suas dores e

consolo para os seus infortúnios. O mundo celeste não está distante, nem superior, e o crente podem

conversar diretamente com os deuses e aproveitar da sua benevolência” .

O tipo de relacionamento é de caráter familiar e informal. Um exemplo de uma cerimônia observada

na África ilustra bem esse fato. Trata-se de uma cerimônia para um vodun daomeano, Sapata,

chamado Ainon, o “ senhor da Terra” , sinônimo de Sànpònná entre os iorubás, onde é igualmente de

balúayé, que também significa o “ Senhor da terra” . Esse culto de sapata não se afasta

completamente a esse deus falam uma língua sacra que é o iorubá arcaico dos Aná ou Ifé da região de

Atakpamê. Os futuros iniciados de sapata são chamados Anàgónu, os nagôs, nesse estágio de sua

iniciação.

Foi em dezembro de 1969, nos arredores de Abomey, em uma fazenda chamada Tètèpa, residência do

chefe de uma família relativamente numerosa, estabelecida nesse local há muitas gerações em tempo

normal, a fazenda era habitada principalmente por pessoas idosas, crianças confiadas a suas avós e um

número reduzido de adultos de ambos os sexos, indispensáveis aos trabalhos do campo. Em grande

parte, os membros da família exerciam suas atividades em local distante, para voltarem,

periodicamente, trazendo uma parte de seus ganhos para a comunidade familiar. Mas, no dia em que

passamos por essa fazenda, havia muita gente para assistir e participar de uma cerimônia organizada

para agradecer a Sapata Megban, protetor da família, uma graça que ele concedera nas seguintes

circunstâncias.

Três ou quatro anos antes, houve um acidente ferroviário quando dois trens se engavetaram. Houve

numerosos mortos e feridos. Uma mulher, pertencente à família do dono dessa fazenda, encontrava-se

em um dos vagões. Estava grávida e perto de dar à luz. O medo que ela sentiu no momento do

acidente fez com que a criança nascesse antes da hora. Em seu desespero, ela fez a promessa de

oferecer algo de belo ao Sapata da família se a criança e ela sobrevivessem ao desastre. Saíram ilesas

do acidente, e a criança desenvolveu-se normalmente. Tivemos a sorte de assistir ao pagamento da

promessa.

A jovem mulher oferecia naquele dia “ bela coisa” prometida. Era um belo pano um gorro bordado e

oferendas de animais e alimentos. Homens e mulheres, membros da família, vieram de todas as

regiões do Daomé onde trabalhavam, e até do Togo, da Costa do Marfim e da Nigéria. Sapata-Ainon,

encarnado em seu vodunsi (elégùn), estava majestosamente sentado em um trono, pois era também

chamado J b su, o “Rei das Pérolas” . Todos os membros da família estavam prostrados diante dele e

cantavam seus louvores tradicionais. O Vodunun, encarregado de cuidar do deus, fez um pequeno

discurso para lhe agradecer por ter salvo a vida da mulher e da criança e colocou no colo do vodunsi a

criança de três ou quatro anos de idade. Esta se aconchegou em seus braços como o teria feito nos

braços de seu avô. Inteiramente à vontade e sem nenhum receio, a criança brincava com as franjas da

roupa do deus encarnado. Essa cena nos tocou profundamente e nos pareceu muito representativa do

tipo das relações entre os homens e seu deus. Um deus protetor, cujas graças são reservadas, é

verdade, só ao grupo familiar. Mas estamos longe da imagem dos “ feiticeiros sanguinários” , reinando

pelo terror, que a literatura cristã esforçou-se em apresentar para justificar a ação evangélica dos

missionários.

Orixá, ancestral divinizado, é um bem de família, transmitido pela linhagem paterna. Os chefes das

grandes famílias, os balè, delegam geralmente a responsabilidade do culto ao orixá familiar, a um ou

uma aláàse, guardião do poder do deus, que dele cuidam ajudados pelos elégùn, que serão possuídos

pelo orixá em certas circunstâncias.

As mulheres da família participam das cerimônias e podem se tornar elégùn do orixá da família

paterna; mas, se forem casadas, é o orixá da família de seu marido que será o de seus filhos. Elas têm

assim uma posição um pouco marginalizada na família do marido. São consideradas somente como

doadores de filhos, mas não são integradas completamente em seu novo lar. Quando morrem, seu

cadáver volta para a casa paterna, onde são enterradas. Mesmo em sua própria família, não têm

posição estável, compatível à dos homens. Esse ponto é ilustrado pela pergunta feita pelo pai para

saber qual o sexo de seu filho ao nascer: “ É o dono da casa (onílé) ou a estrangeira (àléiò)?” , situando,

desde sua chegada ao mundo, a posição relativa dos homens e das mulheres na família iorubá.

Conservando sua filiação ao culto do orixá familiar, pode acontecer que um indivíduo deva, por certas

razões que lhe são indicadas pela adivinhação, seguir o culto a uma outra divindade, a de sua mãe, por

exemplo, após a sua morte; ou de qualquer outra que lhe seja imposta em decorrência de certas

situações: doenças, dificuldades na procriação de um herdeiro, defesa contra uma ameaça precisa ou

imprecisa. Nesses casos, o indivíduo encontra-se implicado mais diretamente na prática desse culto

pessoal.

Uma das características da religião dos orixás é seu espírito de tolerância e a ausência de todo

proselitismo. Isso é compreensível e justificado pelo caráter restrito de cada um desses cultos aos

membros de certas famílias. Como e por que as pessoas poderiam exigir que um estrangeiro

participasse do culto, não tendo nenhuma ligação com os ancestrais em questão?

Olódùmarè, o deus supremo.

Acima dos orixás reina um deus supremo, Olódùmarè, cuja etimologia é duvidosa. É um deus

distante, inacessível e indiferente às preces e ao destino dos homens. Está fora do alcance da

compreensão humana. Ele criou os orixás para governarem e supervisionarem o mundo. É, pois, a

eles que os homens devem dirigir suas preces e fazer oferendas. Olódùmarè, no entanto, aceita julgar

as desavenças que possam surgir entre os orixás.

Essa definição parece ser uma tentativa de elaboração de um sistema que centraliza o que era diverso

e harmoniza o que era incompatível entre orixás vindos de horizontes muito diferentes, como sugere

Léo Frobenius. Apesar de sua posição de sua posição muito exaltada, Olódùmarè não conseguiu,

entretanto, resolver o conflito surgido entre Obalúayé e Nana Buruku de um lado e Ògún, do outro. A

esse respeito, falaremos mais adiante.

Admitindo o papel de deus supremo atribuído a Olódùmarè e se pairarmos acima das sutilezas locais,

evitando fazer alusão às incoerências que resultam da pluralidade dos orixás, todos igualmente

poderosos, parece que poderemos elaborar um sistema em que cada orixá torna-se um arquétipo de

atividade, de profissão, de função, complementar uns aos outros, e que representam o conjunto das

forças que regem o mundo. É o que exprime algumas histórias de Ifá, que os babalaôs, como as que

se referem ao que já foi dito acima : “Os orixás e os ebora são os intermediários entre Olódùmarè e os

seres humanos e receberam, por delegação, alguns de seus poderes” .

Em um tal sistema, os orixás, mais comumente chamados ìmole pelo Rev. D. Onadele Epega, teriam

sido divididos em dois grupos: “ Duzentos ìmólè da direita, igba ìmòlè, e quatrocentos da esquerda,

Irún ìmólè” . Uma Fórmula de saudação ritual sobre a qual pouco se sabe e que é ainda pronunciada,

no Brasil, pelos descendentes dos iorubás, que vivem, sem outra explicação a não ser que, outrora,

entre os iorubás, o primeiro algarismo significasse um grande número e o segundo, um grandíssimo

número.

Olódùmarè mora no além, Òrun, traduzido geralmente por “ céu” . Mas há ai, sem dúvida alguma,

incompreensão por parte dos pesquisadores, todos formados com a idéia de que Deus mora no céu.

Em outro trabalho, mostramos que, entre 1845 e 1962, dos dezoito autores principais que abordaram o

problema do deus supremo entre os iorubás, treze eram missionários católicos e protestante e só dois

eram antropólogos, sendo os outros três um cônsul, um tenente-coronel e um alto funcionário da

administração colonial, todos de nacionalidade britânica.

Quase todos esses pesquisadores dão Olóòrun, dono do céu, como primeiro nome ao deus supremo

dos iorubás e Olódùmarè, como segundo.

Nessa pesquisa da definição do deus supremo, como em muitas outras sobre o assunto, cria-se

geralmente uma situação inoportuna entre o pesquisador e a pessoa interrogada. Esta última pega

rapidamente o sentido do pensamento do primeiro e, benevolamente, dá respostas que se ajustam à

hipótese da pesquisa. Mesmo se o informante não alterar voluntariamente os fatos, tentará ao menos

exprimir-se em termos compreensíveis ao seu interlocutor, resultado daí grande satisfação para este

último e enorme prejuízo para a verdade. Um desses pesquisadores, o Padre Bouche, já reconhecia,

entre4 1866 e 1875, que “ os intérpretes negros preocupam-se menos com a exatidão do que com o

fato de não descontentarem o branco, e não deixam de lisonjeá-lo pelas interpretações que sabem ser

de seu agrado ou pelo menos existentes em suas idéias” .

Três desses pesquisadores, de origem iorubá fazem exceção a essas observações:

Onadele Epega, que em seu livro nunca emprega a palavra “ Olódùmarè ao deus supremo e acentua

que “ Olóòrun é o nome utilizado pelos cristãos e pelos mulçumanos para seus trabalhos de conversão

dos infiéis” .

O Reverendo Padre Moulero, o primeiro nagô a ser ordenado padre no Daomé, chegou a escrever que

“ as populações neste país só acreditavam nos ídolos e não conheciam a Deus, mas é preciso fazer uma

exceção em favor dos nagôs, que sob influência dos muçulmanos, adquiriram (antes da chegada dos

missionários católicos) um conhecimento de Deus que se aproxima da noção filosófica cristã” .

Para definir Olódùmarè, os “ pais do segredo” , nome dado aos adivinhos, dos quais falarem mais

adiante.

Algumas tradições pretendem que Òrun não esteja situado no céu, mas debaixo da terra. Há,

efetivamente, em Ifé um lugar chamado Òrun ba Adó, onde haveria “ dois poços sem fundo que os

antigos diziam ser o caminho mais curto para o além” .

Este Òrun é o além, o infinito, o longínquo, em oposição ao ayé, o período de vida, o mundo, o aqui,

o concreto.

É no Òrun que habitam os montes, os ará Òrun, que voltam periodicamente ao mundo, ayé, para se

tornarem novamente seres vivos, ará ayé. “ Esses além assemelhar-se a terra, porém triste e lúgubre” .

As almas apressar-se-iam em voltar para a terra, para a mesma família, da qual alguns membros usam

o nome de Babatúndé ou o de Iyátúndé, o que significa “ o pai ou a mãe voltou” . Estamos longe do

céu paradisíaco e macio dos cristãos e muçulmanos.

Os próprios deuses não parecem felizes em seu desterro no Òrun-além, e durante as cerimônias

realizadas em seu louvor apressam-se em volta as terras, encarnando-se nos corpos em transe de seus

descendentes que lhes são consagrados.

A idéia de que Òrunalém está situado embaixo da terra é comprovada durante as oferendas aos orixás,

quando o sangue dos animais sacrificados é derramado no ajúbo, um buraco cavado na terra, em

frente ao local consagrado ao deus, e os olhares se voltam para o chão e não para o céu.

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