3 de jan. de 2011

Mitos de Exu

Dia 08 de janeiro abrimos nossos trabalhos com uma gira de Exu.


MITOLOGIA AFRICANA

Mitos de Exu: entre ordenamento da estrutura e conduta social e história exemplar

Por Nágila Oliveira dos Santos

Especialista em África / Brasil: laços e diferenças - UCB

Psicanalista Clínica – ESFLUP

Docente da SEEDUC - RJ




Passaremos a analisar os mitos iorubás, enquanto ordenadores da estrutura e conduta social e como história exemplar. Para essa finalidade, selecionados alguns mitos referentes ao orixá Exu.

Os mitos sobre Exu foram selecionados pelo seu forte aspecto de história exemplar, uma vez que Exu é o orixá que possui personalidade mais próxima dos homens. Segundo Barcellos “Exu é o nosso interior, é a nossa intimidade, o nosso poder de ser bom ou mau, de acordo com a nossa própria vontade. Exu é o ponto mais obscuro do ser humano e é, ao mesmo tempo, aquilo que existe de mais óbvio e claro”. (BARCELLOS, 2002 p.51)

O trecho abaixo, extraído do mito no qual Exu ganha poder sobre as encruzilhadas, orienta a conduta do iaô e do povo de santo como um todo; no que se refere ao processo de aquisição de conhecimento e vivência dos iniciados na casa de santo.

“Exu não perguntava

Exu observava

Exu prestava atenção

Exu aprendeu tudo”

(PRANDI, 2002 p.40)

Graças à habilidade de observação e não de indagação, Exu foi capaz de aprender tudo que era necessário para auxiliar Oxalá na modelagem dos homens.

“Exu prestava muita atenção na modelagem

e aprendeu como Oxalá fabricava

as mãos, os pés, a boca, os olhos, o pênis dos homens,

as mãos, os pés, a boca, os olhos, a vagina das mulheres.
 (PRANDI, 2002. p. 40)



A ética do serviço, tão necessária e presente entre o povo de santo, encontra-se também no mito, destacando seu aspecto de história exemplar na qual “Exu não tinha riqueza, não tinha fazenda, não tinha rio, não tinha profissão, nem artes, nem missão. Exu vagabundeava pelo mundo sem paradeiro...” (PRANDI, 2002. p. 40)

Exu que nada possuía, encontra paradeiro na Casa de Oxalá, onde através de muita observação e serviço é recompensado e torna-se o orixá mensageiro, dono das encruzilhadas, guardião da porta da casa de Oxalá, como podemos observar:

“Exu trabalhava demais e fez ali a sua casa,

ali na encruzilhada.

Ganhou uma rendosa profissão, ganhou seu lugar, sua casa”.

“... Exu ficou rico e poderoso.

Ninguém pode mais passar pela encruzilhada

sem pagar alguma coisa a Exu”. (PRANDI, 2002. p. 41)

Outro exemplo, do mito enquanto ordenador de conduta social está no mito em que Exu respeita o tabu e por isso é feito o decano dos orixás.

“Aquele que usa o ecodidé

Foi quem trouxe todos a mim.

Todos trouxeram oferendas

E ele não trouxe nada.

Ele respeitou o tabu

E não trouxe nada na cabeça.

Ele está certo.

Ele acatou o sinal de submissão”. (PRANDI, 2002. p.43)

A passagem acima chama a atenção para importância de se respeitar os tabus estabelecidos. Exu obedece ao impedimento de não usar nada sobre a cabeça enquanto utilizava o ecodidé, respeitando o euó. Dessa forma, é recompensado por Olodumare, tornando-se seu mensageiro e o decano dos orixás, como mostra o fragmento a seguir:

“Doravante será meu mensageiro,

pois respeitou o euó

Tudo o que quiserem de mim,

que me seja mandado dizer por intermédio de Exu.

E então por isso, por sua missão,

que ele seja homenageado antes dos mais velhos,

porque ele é aquele que usou o ecodidé

e não levou carrego na cabeça

em sinal de respeito e submissão”. (PRANDI, 2002. p.43)

Através do mesmo mito podemos analisar a questão do respeito à senioridade, um aspecto importante entre o povo de santo. Dentro desse, a idade de iniciação na religião prevalece sobre a idade biológica. Sendo assim, o mais velho pode dever reverência ao mais novo, _ “Exu era o mais jovem dos orixás. Exu assim devia reverência a todos eles, sendo sempre o último a ser cumprimentado...” (PRANDI, 2002. p.42)

No mito, a senioridade almejada por Exu é garantida a partir da realização de um ebó e pelo respeito ao tabu.

“Assim o mais novo dos orixás,
O que era saudado em último lugar,
Passou a ser o primeiro a receber os cumprimentos.
O mais novo foi feito o mais velho.
Exu é o mais velho, é o decano dos orixás”. (PRANDI, 2002. p. 43-44)
O terceiro mito aqui analisado refere-se àquele em que Exu ajuda Olofim-Olodumare
na criação do mundo. De acordo com o mito, Olofim-Oludumare reunira todos os sábios do
Orum para que o ajudasse na criação do mundo. No entanto, as idéias de todos traziam
algum inconveniente para a finalização do propósito de Olodumare.

No entanto, Exu ao propor pela primeira vez o sacrifício dos pombos e ao guiar Olofim
por todos os lugares onde se deveria verter o sangue dos mesmos, torna possível a
concretização da intenção de Olodumare. Sendo assim, novamente Exu é recompensado:

“Muito me ajudaste

e eu bendigo teus atos por toda a eternidade.

Serás reconhecido, Exu,

serás louvado sempre

Antes do começo de qualquer empreitada”. (PRANDI, 2002. p. 45)

Essa recompensa de Olodumare, aliada a outros feitos de Exu em tempos imemoriais,
deu origem ao rito das casas de santo de o homenagearem antes de todos os orixás e antes
do início de qualquer trabalho.

A primazia de Exu no que se refere ao recebimento das oferendas está atrelada a
outro mito, no qual, Orunmilá tenta controlar a fome incontrolável de Exu, que mesmo após
a morte continuava consumindo tudo, pondo tudo e todos em risco. Após consultar o oráculo
Orunmilá ordenou: “Doravante, para que Exu não provoque mais catástrofes, sempre que
fizerem oferendas aos orixás deverão em primeiro lugar servir comida a ele’. (PRANDI, 2002. p. 46)

Sendo assim, conclui-se que para haver paz e tranqüilidade entre os homens torna-se
preciso dar de comer a Exu em primeiro lugar.
Alguns mitos também apresentam um caráter mais desordeiro de Exu, como o qual,
após por fogo na casa em que estivera hospedado, ele fica rico.
Há um mito no qual, Exu, almejando criar fortuna depressa, realiza um ebó e segue
para a cidade de Ijebu. Chegando lá, hospeda-se na casa de um homem de importante
posição oficial e ao cair da noite pôs fogo na casa do mesmo. Alegando ter perdido uma
fortuna com o incidente, e criando grande reboliço devido ao incêndio, Exu por ser
estrangeiro, acaba sendo recompensado pelas perdas sendo proclamado rei de Ijebu,
tornando todos os habitantes seus súditos.

Esse mito deixa claro que reboliço e confusão são os espaços de Exu. Para Barcellos,
Exu é a bagunça generalizada.
Há mitos que apresentam um caráter vingativo de Exu, como no mito em que ele
leva dois amigos camponeses a uma luta de morte. De acordo com esse mito, Exu, furioso,
por não ser louvado pelos camponeses pôs-se no caminho dos dois, na divisa das duas
roças, tendo um a sua direita e outro a esquerda. Exu utilizou-se de um boné de um lado
branco e do outro vermelho, de forma que cada camponês via apenas uma cor. A verdade
sobre a cor do boné do estrangeiro, Exu, provoca discussão entre os amigos e acaba na
morte de ambos, à golpe de enxada.

E ao implantar a desestabilização “Exu cantava e dançava. Exu estava vingado”.
(PRANDI, 2002. p. 49)

Dessa forma, podemos perceber no mito, um caráter de ordenador de conduta social,
uma vez que retrata a necessidade de se cumprir com as oferendas para não despertar a
sede de vingança de Exu.

Outro ponto que chama a atenção no mito concentra-se na quebra do conceito de
verdade absoluta e na desestabilização trazida pela mesma. Exu, ao utilizar duas cores no
mesmo boné relativiza a verdade e explicita a sua persona de relativizar, negar e afirmar.
Sendo assim, não existe verdade absoluta para Exu. Exu é a própria contradição.
No entanto, podemos nos indagar sobre a seguinte questão: o que teria de fato levado
a briga e a morte dos dois amigos, a intolerância entre ambos motivada pela busca da
verdade absoluta ou Exu? Exu trouxe a dúvida e a instabilidade, mas o desencadeamento
da trama foi uma escolha humana.

Exu está na alteração de ânimo, na divergência, no nervosismo. Ele também se
encontra presente na falta de controle do ser humano. (BARCELLOS, 2002)

A traquinagem é um dos muitos elementos da composição da personalidade de Exu e
é explicitada em outros mitos. Temos por exemplo, um mito no qual, ele ajuda um homem a
trapacear ou no qual provoca a rivalidade entre duas esposas a partir do ciúme e da
competição.

Tratando-se de uma religião onde o intercâmbio entre os homens e orixás é
estabelecido a partir da realização de oferendas e sacrifícios, a displicência no preparo do
ebó é tão perigosa quanto à ausência da oferenda.

Há um mito, no qual Exu vinga-se por causa de um ebó feito com displicência. De
acordo com o mito, um lavrador que precisava de chuvas para irrigar seus campos secos
ofereceu um ebó para Exu. No entanto, preparou-o de forma displicente, apimentando-o e
deixando Exu com muita sede. Com sede, Exu, abriu a torneira da chuva, fazendo com que
a água jorrasse incessantemente, inundando e pondo em risco toda a colheita. Após refazer
o ebó cuidando para que a comida estivesse no ponto, Exu o aceita e estanca a chuva.

Dentre os diversos mitos sobre Exu podemos concluir que:

“São muitas as tramóias de Exu.

Exu pode fazer contra,

Exu pode fazer a favor.

Exu faz o que faz, é o que é”.




Revista África e Africanidades – Ano 2 - n. 8 Fevereiro. 2010 - ISSN 1983-2354

www.africaeafricanidades.com


Autorizada a citação e/ou reprodução deste texto, desde que não seja para fins comerciais e que seja mencionada a referência que segue. Favor alterar a data para o dia em acessou-o:

SANTOS, Nágila Oliveira dos. Mitos de Exu: entre ordenamento da estrutura e conduta social e história exemplar. Revista África e Africanidades, Rio de Janeiro, ano 2, n. 8, fev. 2010. Coluna Mitologia Africana. Disponível em:
. Acesso em: 8 fev. 2010.

Referências:

_ BARCELLOS, Mario César. Os Orixás e o segredo da vida: lógica, mitologia e ecologia.

_ Rio de Janeiro. Pallas: 2002.

_ BENISTE, José. Mitos Iorubás: o outro lado do conhecimento. Rio de Janeiro. Bertrand

Brasil, 2006.

_ PRANDI. Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhias das Letras, 2001.

_VOGEL, Arno, MELLO, Antônio da Silva e BARROS, José Flávio de. Galinha D’angola:

iniciação e identidade na cultura afro-brasileira. Rio de Janeiro. Pallas: 2005.

Um comentário:

  1. Trabalho cultural exemplar e muito valioso. parabéns pela escolha do texto.

    Axé!

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